Como Encontrar Buracos Negros?

02/12/2011 18:13

 

 

6. Como encontrar Buracos Negros



6.1 - Métodos para encontrar Buracos Negros

Não é possível observar um Buraco Negro (BN) diretamente porque ele não emite radiação. Entretanto, um BN exerce força gravitacional sobre os corpos ao seu redor e graças a isso podemos detectá-lo. Um modo de detectar um candidato a BN estelar é procurá-lo em sistemas binários (duas estrelas que orbitam uma ao redor da outra) onde uma das componentes do sistema tenha massa maior do que 3-6 Mꙩ, deveria ser visível se fosse uma estrela "normal" mas não é visível.

 

 

 
Fig. 6.1 - Concepção artística de uma estrela sendo "engolida" por um buraco negro num sistema duplo em que o buraco negro é um dos componentes. Ao redor do buraco negro vemos o disco de acreção característico.

 

 

Através do estudo da deflexão da órbita da estrela visível do sistema duplo pode-se decobrir a massa do objeto invisível e assim confrontar o resultado encontrado com o limite mínimo de massa para a existência de um buraco negro.

Outro indício de que o sistema possa conter um BN é a presença de um disco de acreção. Este se forma porque o BN captura matéria da companheira que perde o excesso de momentum angular via um processo de fricção que aquece o disco a cerca de 10⁷ K. Este aquecimento provoca uma forte emissão de raios-X.

Emissões de raios-X podem vir de outras fontes. Assim devem existir evidências mais específicas de que esta radiação seja mesmo originada em um disco de acreção. Para que um candidato seja realmente um disco de acreção ele deve ter dimensões pequenas (da ordem de milisegundos-luz para os estelares e dias-luz para os supermassivos no centro das galáxias) e apresentar período de variação da ordem de segundos ou dias, pois a escala de variabilidade deve ser mais longa do que o tempo qua a luz demora para percorrer a dimensão do disco, como está explicado abaixo.


 



 

Diagrama de espaço e tempo

Fig. 6.2 - Diagrama espaço-tempo para emissão da luz a partir de um Disco de Acreção. 

 

 

 

A luz (linhas tracejadas na Fig. 6.2) viaja a 45o em relação aos eixos do espaço e tempo. Suponha que uma região de dimensão Δx (que pode ser um Disco de Acreção) varia a sua emissão de radiação. Imagine que a variação acontece primeiro no centro da região Δx no instante t = 0. A informação desta variação atinge primeiro o observador no instante t1. Enquanto isso, a causa da variação se propaga para os pontos extremos A e B da região emissora com velocidade menor ou igual à da luz (a propagação é indicada pelas linhas sólidas). Quando a causa da variação atinge os pontos A e B, estes também variam sua emissão de radiação. A informação destas variações atinge o observador nos instantes t2 e t3. Já que a luz nesse diagrama se propaga a 45o, o intervalo c(t3-t2) é igual a Δx. O tamanho da região que está variando (Δx) é, entretanto, menor do que c(t3-t1) = cΔt, onde Δt é o intervalo de tempo total no qual as variações são vistas pelo observador. Assim sabemos que variações percebidas num intervalo Δt só podem ter se originado numa região de dimensões Δx menores do que cΔt.

 

 


 

 

 

    
 

Disco de acresção

Fig. 6.3 - Disco de acresção orbitando um Buraco Negro

Outro indício da presença de discos de acresção é sua "assinatura" cinemática. Embora as pequenas dimensões do disco e a grande distância destes objetos a nós não permitam que eles sejam resolvidos espacialmente, o efeito Doppler na luz, descrito a seguir, permite que se resolva as velocidades do gás no disco. Se o disco estiver inclinado em relação ao observador, este verá um lado do disco se "aproximar" com uma certa velocidade (que é muito alta, da ordem de milhares de km/s para um disco de acresção orbitando um buraco negro) e verá o outro lado do disco se afastar com a mesma velocidade.

Devido ao efeito Doppler, a radiação (luz) que é emitida por um objeto movendo-se com velocidade v sofre um desvio no seu comprimento de onda (ou freqüência). Se o objeto se aproxima do observador, a radiação é observada com comprimento de onda menor (as cristas das ondas se aproximam); se o objeto se afasta, a radiação é observada com comprimento de onda maior (as cristas das ondas se afastam). Pode-se quantificar este efeito pela expressão do efeito Doppler como demonstrado a seguir. Se o objeto emite radiação de um certo comprimento de onda λo, este é observado como λ, e a partir das equações 6 ou 7 abaixo podemos determinar a velocidade do objeto emissor da radiação e o sentido do seu movimento. A equação 6 abaixo vale para velocidades bem menores (<1%) do que a velocidade da luz c, enquanto que as Eqs. 7 e 8 valem para qualquer velocidade.

 

 

 

 

 

 



Eq. 6

 

    

Assim:

 

  • Se o corpo se afasta: v > 0, logo λ > λo, ocorre redshift: desvio para o vermelho.

  • Se o corpo se aproxima: v < 0, logo λ < λo, ocorre blueshift: desvio para o azul.

 

 

 


Eq. 7












 

Eq. 8

 

 

Perfil de velocidades

Fig. 6.4 - Perfil (de duplo pico) de uma linha emitida por um disco de acreção em rotação kepleriana em função da velocidade do gás emissor.

 

 

Se um Disco de Acreção como o da Fig. 6.3 emitir radiação num comprimento de onda λo conhecido, a partir do λ observado, pode-se recuperar as velocidades do gás emissor do disco. Como explicado acima, observaremos velocidades negativas provenientes do lado do disco que se aproxima, e positivas do lado do disco que se afasta. Uma linha espectral proveniente de um disco em rotação inclinado fica então alargada e apresenta um perfil característico de duplo pico como ilustrado na Fig. 6.4. Usando a Eq. 8 transformamos os comprimentos de onda observados em velocidade.

 

 

 

 

 

 

 



6.2 - Evidências Observacionais de Buracos Negros Estelares

Cygnus X-1 é uma estrela na constelação do Cisne que varia em raios-X em escalas de tempo de milissegundos, indicando que a fonte emissora (que é provavelmente um Disco de Acreção em torno de um BN estelar) tem dimensões da ordem do diâmetro da Terra. Pelas velocidades calculadas a partir do desvio Doppler observado no espectro da estrela, concluiu-se que ela tem uma companheira com massa > 6M . Como esta companheira não é visível, conclui-se que ela só pode ser uma estrela compacta e pouco luminosa, ou seja, uma estrela anã branca, estrela de nêutrons ou buraco negro, pois se assim não fosse ela seria visível considerando a distância estimada ao sistema. Como não existem anãs brancas ou estrelas de nêutrons com esta massa, conclui-se que só pode ser um buraco negro.
 

Fig. 6.5 - Imagem do sistema binário LMC X-1 do extinto obeservatório em raios-X ROSAT, da NASA.

LMC X-1 é um sistema binário de raios-X descoberto na Grande Nuvem de Magalhães, galáxia satélite da Via Láctea. Esse sistema, que foi o primeiro sistema binário de raios-X observado, é composto por uma estrela de baixa massa e uma companheira compacta. A partir do movimento do sistema podemos inferir que a companheira compacta se trata de um buraco negro, devido à sua elevada massa (5 M).

Uma observação particularmente contundente foi a da fonte de raios-X galáctica GRS1915+105. Esta foi também a primeira fonte na galáxia na qual se observou jatos rádio superluminais, os quais são comuns em quasares. Devido às várias características comuns com quasares, porém em escalas milhões de vezes menores , Mirabel e Rodriguez (1994) chamaram esta fonte e outras depois descobertas de microquasares. Em 1997 e 1998, Eikenberry e colaboradores realizaram observações simultâneas de GRS1915+105 em raios-X (satélite XTE-NASA), infravermelho (IR) próximo (com o telescópio de 5m do Monte Palomar) e em rádio. Observaram flares periódicos em raios-X que se repetiam em intervalos de 30 minutos. Estes flares eram seguidos por flares no IR e em rádio (radiação síncrotron). 

A interpretação mais plausível é que estamos observando um Disco de Acreção em torno de um buraco negro estelar. O disco interno se aquece devido à acresção de matéria de uma companheira e emite um flare em raios-X. Em seguida o disco se desmancha, sendo que parte da matéria é acretada e parte dá origem a um jato de plasma relativístico observado no IR e em rádio. O fenômeno se repete a cada 30 minutos, quando o disco é reabastecido por matéria proveniente da atmosfera da estrela companheira.A relevância desta observação se deve ao aparecimento da emissão IR e rádio logo após o flare em raios-X, constituindo-se numa evidência contundente de que o plasma dos jatos relativísticos provém do disco interno, como havia sido previsto em modelos para o sistema buraco negro + disco de acresção.

A figura abaixo ilustra o cenário proposto comparado com o de um quasar (ver próxima seção).

 

 

 



 
Fig. 6.6 - Analogia entre um mircoquasar e um quasar. Fig. 6.7 - Formação de jatos provenientes de um disco de acresção. A figura ilustra as linhas do campo magnético ao longo dos jatos.