As Origens das Universidades Portuguesas
No séc. XI as escolas eram exclusividade da Igreja e tinha como objetivo formar pessoal para o clero. Com surgimento da pequena burguesia, das cidades medievais e das modificações profundas das estruturas econômicas, social e política, que romperam com as estruturas feudais, houve uma pressão para um novo tipo de escola desvinculado do ensino religioso.
Assim passam a surgir os locais de instrução que, em geral funcionavam fora das igrejas e eram aglomerados de discípulos em torno de um mestre. Cedendo ao instinto de associação ou corporação dos homens, esses mestres e discípulos se juntam formando os studia (séc. XII) que se transformaram nos studia generalia, que se caracterizavam por seu caráter universal. Os mais importantes studia generalia foram os de Bologna e Paris, devido principalmente a qualidade de seus mestres.
Preocupados com as conseqüências do aparecimento dos studia, a igreja passa a controlá-los e inclusive a autorizar seu funcionamento. A bula papal (papa Nicolau IV) que autorizou o funcionamento dos estudos gerais de Lisboa, ou seja, o embrião da universidade de Lisboa data de 09/08/1290. Esta bula permitiu que em Portugal se ensinasse: humanidades, direito canônico, leis, medicina e artes. O fato de não constar o ensino de matemática nos currículos se prolongará por muitos anos. É só na escola de Sagres (1420) que aquela ciência adquire um caráter institucional, onde se fortalece uma tendência a valorizar a aplicação em detrimento da teoria. Em realidade o ensino de matemática esta associado as necessidades sócio econômicas de Portugal.
A fase com maior inclinação teórica, se inicia com Pedro Nunes (1502-1578), como lente da universidade de Coimbra. Pedro Nunes se coloca a meio termo entre a teoria e a prática.
Depois de muitas idas e vindas em 1537 D. João III ordenou a transferência da universidade de Lisboa para Coimbra, o que em realidade determinou o surgimento de uma nova universidade, através da contratação de lentes de Salamanca e da importação desta universidade de sua estrutura administrativa e pedagógica. Na cátedra de matemática assume Pedro Nunes, que foi o mais brilhante matemático português do séc. XVI. Infelizmente Pedro Nunes não formou discípulos, assim após seu afastamento assume seu lugar um matemático medíocre, André de Avelar, proporcionando um profundo marasmo nos estudos de matemática.
2. As conseqüências no Brasil
A partir do descobrimento até 1808, eram proibidos no Brasil: escolas de nível superior, circulação e impressão de livros, de panfletos e de jornais, bem como a existência de gráficas. Embora na década de 1750, os Jesuítas, sem autorização da corte, no colégio da Bahia mantiveram uma “faculdade de matemática”.
A implantação das escolas primárias no Brasil se dão pela iniciativa dos Jesuítas, com propósitos missionários, que contam com o apoio de D. João III, como parte da política colonizadora. Sua efetivação se da em 15 de abril de 1549 com o Pe Manuel de Nóbrega. Sendo o primeiro mestre escola do Brasil o jesuíta Vicente Rijo Rodrigues.
Observa-se uma gradação positiva e permanente do ensino de matemática pelos inacianos até o ano de 1757, no qual surge no colégio da Bahia a matemática com status de faculdade. Os alunos que freqüentavam estas classes provinham das classes abastadas. Nesta instituição era ensinado: geometria euclidiana, noções de trigonometria, alguns tipos de equações algébricas elementares, razões, proporções e juros. Como se nota tratava-se de um currículo medieval, distante da produção matemática da época.
O primeiro registro de uma publicação de um brasileiro data de 1744. José Fernando Pinto Alpoyn, que era lente da Aula de Fortificação do Rio de Janeiro, publicou um livro de 259 pag. Sob o título Exame de Artilheiros, o qual contém dois capítulos sobre aritmética e geometria. No ano de 1748 publica Exame de Bombeiros, que contém quatro capítulos sobre: trigonometria, geometria, longemetria e altimetria. Em ambos os livros a matemática abordada é de nível elementar.
A presença dos jesuítas em Portugal monopolizava o ensino em todos os níveis, isolando esta nação dos avanços alcançados por outras. Também devido a isto, mas não somente, em 1759, o marques de Pombal expulsa os Jesuítas das terras portuguesas e inicia uma profunda reforma no sistema educacional, que alcança a universidade de Coimbra, que foi a principal influência na educação brasileira.
Para se estabelecer uma comparação da pretensão do alcance das reformas, pode-se analisar os programas de ensino praticados antes e depois das medidas reformatórias. No período pré-pombalino os programas de matemática se restringiam ao conhecimento vigente no séc. XIII , enquanto que depois estes currículos passam a incorporar a produção matemática dos séculos XVII e XVIII. Fica isto evidente quando de analisa o elenco de disciplinas ministradas no colégio real dos Nobres. São estas: grego, latim, retórica, poética, lógica, francês, inglês, italiano, aritmética,geometria, trigonometria, álgebra, geo. analítica, cálculo diferencial e integral, ótica, dióptrica, catróptrica, astronomia, geografia, náutica, arquitetura civil e militar, e desenho. Sendo que a idade máxima permitida para o ingresso dos alunos era 13 anos.
Infelizmente a universidade de Coimbra não fugiu a regra das instituições de ensino superior, exercendo seu conservadorismo, permaneceu no medievo. Esta atitude se translada ao Brasil, já que muitos dos professores que fomentaram o ensino de matemática aqui se graduaram e até se doutoraram lá.
3. A Família Real no Brasil – efeitos no ensino de Matemática
Em 1808, data da chegada da família Real ao Brasil, a França e os Estados Unidos já possuíam um eficiente sistema de ensino superior.
Ao chegar ao Brasil D. João criou algumas instituições com o objetivo de fornecer suporte as atividades que então aqui se realizariam, entre elas está: escolas de nível superior, bem como a impressão régia, o museu nacional, a biblioteca real, o observatório astronômico, o primeiro banco do Brasil (que faliu depois), o real arquivo militar, entre outras.
Por carta régia de 4 de dezembro de 1810, é criada a Academia Real Militar (ARM), que passou a funcionar em 23 de abril de 1811, e a partir da qual se desenvolveu o ensino sistemático de matemática superior. Esta instituição consistia de um curso de Ciências Fisicas, Matemáticas e Naturais, com duração de quatro anos e um curso militar de 3 anos de duração. Vale ressaltar que a entrada franca de livros no pais só se deu a partir de 1821. A matemática ensinada na ARM compunha-se dos seguintes tópicos:
1o ano – aritmética, álgebra, geometria e desenho;
2o ano - álgebra, geometria, geo. Analítica, cálculo, geo. Descritiva e desenho;
3o ano - nihil
4o ano - trigonometria esférica e geodésica
O corpo docente era composto de onze lentes e cinco substitutos. No curso de matemática os lentes eram:
- Antonio José do Amaral (1782 – 1840) – brasileiro, bacharel em matemática pela universidade de Coimbra.
- Francisco Cordeiro da Silva Torres e Alvim (1775 – 1856) – português, graduado pela academia real dos guardas – marinhas de Lisboa.
- José Saturnino da Costa Pereira (1773 – 1852) – brasileiro, bacharel em matemática pela universidade de Coimbra.
- José Victorino dos Santos e Souza (1780 – 1852), brasileiro, graduado em matemática pela universidade de Coimbra.
- Manuel Ferreira de Araujo Guimarães (1777 – 1838) - brasileiro, graduado em matemática pela universidade de Coimbra.
Em 1813, Jose Saturnino da Costa Pereira publicou um problema resolvido, o qual é a primeira publicação de um artigo sobre matemática, em uma revista especializada, feita por um brasileiro.
Como visto o ambiente matemático criado no Brasil foi fortemente influenciado pela universidade de Coimbra, instituição sem tradição matemática, onde a pesquisa praticamente não existia. Assim apesar do contacto com a matemática produzida na França, através de algumas traduções de livros, os lentes da ARM não estavam preparados para iniciar no Brasil o ciclo de pesquisa matemática.
Após a independência em 1822 a ARM passou a se denominar Imperial Academia Militar, que foi extinta em 9 de março de 1832 e é instituída a Academia Militar e de Marinha do Império do Brasil. Em 22 de outubro de 1833, houve a separação das armas, passando a do exército a denominar-se Escola Militar da Corte.
Em virtude das mudanças sociais, políticas e econômicas que estavam em curso, como: construções de fábricas, portos, estradas, urbanização de cidades, etc, as elites dominantes perceberam a urgente necessidade da formação de engenheiros civis. Dessa forma por meio do decreto no. 140 de 9 de março de 1842, forma feitas modificações nos estatutos da Escola Militar. Mais precisamente foram instituídas disciplinas de engenharia civil , bem como foi criado o grau de doutor em ciências matemáticas. É a partir de 1848 que começam a ser defendidas as primeiras teses para a obtenção do grau de doutor.
Apesar das modificações introduzidas pelo decreto 140, estas não foram suficientes para enfrentar os desafios existentes. Em 1850 iniciaram em nosso pais a construção de ferrovias, as quais nossos técnicos não possuíam know-how para suas montagens. Ainda assim esta atividade necessita de obras de apoio, como estações, galpões de manutenção, etc, que deveriam ser executadas por brasileiros. Para se ter idéia do panorama deste periodo, sabe-se que de 1851 a 1855, foram construídas 15 Km de ferrovias; de 1856 a 1860, foram construidas 223 Km de ferrovias; de 1861 1 1865 já foram 499 Km e em 1915 o Brasil contava com uma malha ferroviária de 28747 Km de extensão.
Julgava-se que separando o ensino civil do militar poderia-se munir o primeiro de melhores condições para enfrentar estes desafios. Assim passou-se exercer uma forte pressão sobre o imperador no sentido dessas mudanças. Assim em 1o de março de 1858 é assinado o decreto 2116, que implementa as mudanças reivindicadas, e é criada a Escola Central. A seguir apresenta-se alguns artigos do decreto 2116, referentes a Escola Central.
- Art. 1o – A Escola Central é destinada ao ensino das matemática e ciências físicas e naturais, e também das doutrinas próprias da eng. civil.
- Art. 5o – A Escola Central compor-se-a , além de três aulas preparatórias, de dois cursos, um de matemática e de ciências físicas e naturais, ensinado em quatro anos, e um outro suplementar de engenharia civil, em dois anos.
Os tópicos de matemática ensinados na Escola Central definida pelo artigo 2116 eram os seguintes:
- 1o ano – álgebra(até eq. do 4o grau), trigonometria plana, geo. analítica;
- 2o ano – geo. descritiva, Cálculo, Calculo das probabilidades, variações e diferenças
- 3o ano – nihil
- 4o ano – trigonometria esférica, otica e geodésica
Em 25 de abril de 1874 um novo decreto, o de no. 5600, mais uma vez altera os estatutos da Escola Central, desta feita, separando-a definitivamente do ensino militar e criando a Escola Politécnica.
O referido decreto em seu artigo primeiro consta: “A atual Escola Central passará a denominar-se Escola Politécnica e se comporá de um curso geral, e dos seguintes cursos especiais”
- Curso de ciências físicas e naturais;
- Curso de ciências físicas e matemáticas;
- Curso de engenharia de geógrafos;
- Curso de engenharia civil;
- Curso de minas;
- Curso de artes manufaturas.
O curso geral acima referido, tinha duração de 2 anos e compreendia as seguintes disciplinas:
- 1o ano – álgebra (eq. algébricas e logaritmos), geo. no espaço, trigonometria retilínea, geo. analítica, desenho geométrico e topográfico.
- 2o ano – calculo e geo. descritiva.
Este curso geral era obrigatório a todos os alunos que ingressavam na escola. Este modelo que contempla um núcleo comum, seguido de uma parte diversificada é inspirado em algumas escolas francesas, e foi adotado a partir de 1874.
O programa do curso de ciências físicas e matemáticas da escola politécnica, que tinha duração de 3 anos e existiu de 1874 a 1896, era o seguinte:
- Séries; funções elípticas; cálculo d e i; cálculo das variações, das diferenças e das probabilidades;
- aplicações às tábuas de mortalidade;
- problemas complexos de juros compostos;
- amortização pelo sistema Price;
- cálculo das sociedades tontinas;
- seguros de vida.
Em 23 de janeiro de 1896, já no período republicano, foi promulgado o decreto No. 2221, reformulando os estatutos da escola Politécnica, que passa a denominar-se Escola Politécnica do Rio de Janeiro. A principal alteração de interesse para este estudo é a extinção dos cursos científicos (Ciências Físicas e Matemáticas e Ciências Físicas e Naturais). Dessa forma toda matemática estudada no Brasil de 1896 a 1934 está embutida nos cursos de Engenharia. Como esses não faziam grandes exigências teóricas, em vista da engenharia no Brasil estar num nível pouco desenvolvido quando comparado aos cursos europeus e norte americanos, o estudo de matemática superior sofreu grande estagnação neste período. Este fato pode ser melhor percebido analisando os tópicos de matemática que davam suporte as engenharias, como segue: geom. Analítica, geo. descritiva,desenho geométrico, cálculo das variações.
Revendo o que foi ensinado desde a Academia Real Militar até 1934, não se percebe nos currículos tópicos como: álgebra moderna(teoria das grupos), geometria não-euclidiana, funções analíticas, análise matemática, teoria dos conjuntos, teoria das medidas. Tópicos estes amplamente divulgados nos meios europeus e norte americanos. O que nos dá a dimensão de nosso atraso.
Convém registrar que no período de 1811 a 1875, o ensino de matemática superior no Brasil, esteve limitado à cidade do Rio de Janeiro. Em 1876 o mesmo foi introduzido em Minas Gerais, com a criação naquele ano da Escola de Minas de Ouro Preto. Em 1894, aquele ensino foi introduzido em São Paulo, com a criação da Escola Politécnica em São Paulo.
4. As Tentativas de criação de uma Universidade no Brasil
A primeira tentativa ocorreu no sec XVII, na Bahia, por iniciativa dos jesuítas. A solicitação chegou ao Rei de Portugal em 20 de dezembro de 1662, e por aquele foi negada. No ano seguinte foi feita uma nova tentativa e novamente a resposta foi negativa.
Ainda no sec. XVII, quando da invasão dos holandeses em Pernambuco, o Príncipe João Mauricio de Nassau, tinha em 1637, um projeto para a implantação de uma universidade em Recife. A qual não se efetivou por substituição dos indivíduos com poder de decisão.
Em 1820 José Bonifacio de Andrada e Silva elaborara um projeto visando a criação de uma universidade em São Paulo. O projeto que não foi aprovado pelas autoridades competentes, visava a criação de vários cursos, e dava ênfase às ciências inclusive a matemática. Assim depois da “faculdade de Matemática”dos jesuítas, é no projeto de José Bonifácio que surge pela primeira vez menção à criação de um curso de matemática dentro de uma universidade.
Em 12 de junho de 1823, o deputado à Assembléia Constituinte, José Feliciano F. Pinheiro, propôs a criação de uma universidade em São Paulo, o que motivou em 19 de agosto do mesmo ano, a apresentação de outro projeto mais abrangente, pela comissão de Instrução Pública, constituída por: Martim Fco Ribeiro de Andrada, Antônio Rodrigues V. de Oliveira, Belquior Pinheiro de Oliveira, Antônio G. Gomide e Manoel Jacinto Nogueira. Este segundo projeto propunha a criação de 2 universidades, uma em São Paulo a outra em Olinda. Neste projeto que constava de cinco artigos, não estava prevista a criação de uma Faculdade de Matemática ou Ciência. A dissolução da assembléia constituinte por D. Pedro I, não só acabou com a euforia dos constituintes, como também com o projeto de criação de uma Universidade.
Em 1842 elaborou-se mais um projeto visando a criação de uma universidade no Brasil. Desta feita, foi elaborado pela secção do Conselho de Estado e foi assinado por José Cesário de M. Ribeiro. Naquele documento propunha-se criar uma instituição nos moldes da universidade de Coimbra. Em seu artigo primeiro, estatuía que a universidade se denominaria de Pedro II e estaria sediada na capital do Império. Seu artigo segundo estabelecia suas faculdades: Faculdade de Teologia, Direito, Matemática, Filosofia e Medicina. O artigo 46 extinguia os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, e o artigo 47 extinguia a faculdade de medicina da Bahia, centralizando toda atividade acadêmica na capital do Império.
Neste projeto a Faculdade de Matemática era estruturada da seguinte forma:
- 1o ano – Geometria;
- 2o ano – álgebra (eq. algébricas)
- 3o ano – mecânica
- 4o ano – astronomia.
Como se percebe o curso de Matemática seria constituído por um pobre elenco de disciplinas. Assim como os demais, este projeto teve como destino as gavetas das repartições do Império.
Em 1843, o senador Manoel do Nascimento C. e Silva, faz uma nova tentativa, em vão. Em 1847, o deputado Bernardo José da Gama, visconde de Goiana, apresenta um novo projeto de criação de uma universidade no Brasil, que diferia das anteriores pelo fato de aproveitar os cursos superiores já em funcionamento nas províncias, mas o resultado quanto a aprovação se repete.
Depois de alguns anos de adormecimento o assunto referente a criação de uma universidade volta a cena, e em 1870 o ministro do Império Paulino José de Souza, apresentou ao congresso Imperial um projeto relativo a Instrução Pública, que entre outras medidas, propunha a criação de uma universidade. Este projeto também não vingou, mas teve o mérito de desencadear discussões entre os congressistas intelectuais, sobre a qualidade, grau de liberdade e organização do ensino médio e superior no país.
A década de 1870, entre outros, teve dois grandes acontecimentos ligados ao ensino no Brasil. Um deles foi o manifesto que ao lado dos problemas políticos, criticava muitas das características do ensino brasileiro. O outro acontecimento ocorre já no final da década (1879), quando o então ministro do Império Dr. Carlos Leôncio de Carvalho, institui, entre outras medidas, a liberdade de ensino no pais, a livre docência (privatdozent), facultou a mulher freqüentar determinados cursos superiores.(área de saúde)
Em 1881 o ministro Barão Francisco Homem de Melo apresentou ao Imperador um projeto propondo a criação de uma Universidade com sede na Corte do Rio de Janeiro. Tinha como característica principal uma tendência centralizadora, onde todas as instituições do país de qualquer grau, mantidas pelo governo Imperial, ficariam sob controle desta instituição. Somente as Escolas Militares estavam fora deste contexto. Este projeto de ensino superior contrariava a liberdade na educação incentivada pelo decreto de 1879.
A última tentativa de fundação de uma universidade no século XIX ocorre em Curitiba (20.000 hab.). O protagonista desta tentativa foi o jornalista, poeta e historiador José Francisco da Rocha Pombo. Tal projeto não passou da pedra fundamental.
No inicio do Sec XX foram apresentados ao legislativo federal três projetos para criação de Universidades no Brasil. Em 1093 foram apresentados dois deles, um do Prof. Dr. A.A. Sodré e outro de autoria do Prof.Dr. Carlos Leôncio de Carvalho. Em 1908 foi apresentado o 3o. projeto, ao qual não se tem detalhes, apenas sabe-se que nenhum dos três foram aprovados.
Em 1911 um decreto (8659) autoriza a criação e o funcionamento de estabelecimentos de ensino superior pertencentes a iniciativa privada. Com isso foram criadas inúmeras instituições, que em sua maioria eram escritórios para a venda de diplomas. Apenas uma instituição entre todas, denominada Universidade de São Paulo, que não é a atual USP, fundada em 19/11/1911 levou a sério suas pretensões. Teve como Reitor o médico Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães e chegou a ter 779 alunos.
Para conter a disseminação da venda de diplomas é instituído o decreto 11.530 de 18/03/1915, que entre outras medidas, organiza e disciplina as instituições de ensino. Selando a extinção de quase todas.
Em todo este período considerado (1810 a 1920) a matemática ensinada no país era arcaica, e desvinculada do que estava sendo pesquisado na Europa e Estados Unidos. Neste período os centros mais avançados já tinham desenvolvido um rigor no trato do Cálculo, que aqui era ensinado a moda Leibniz/ Newton.
A década de 30 do sec XX é considerada pelos pesquisadores em história da matemática no Brasil, como sendo um marco na formação de uma escola matemática brasileira. É a partir de 1934 que se observava a preocupação mais forte pela pesquisa matemática no Brasil. É neste contexto, que surge a Universidade de São Paulo (USP). Criada pelo decreto estadual 6283 de 25 de Janeiro de 1934, no governo paulista de Armando Salles de Oliveira.
Junto com a USP, foi criada a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, por inspiração de : Julio de Mesquita Filho, Fernando Azevedo, Paulo Duarte, Theodoro A. Ramos, dentre outros. Esta faculdade destinava-se segundo seus idealizadores, a integrar a USP e atuar como verdadeiro centro catalizador das demais Faculdades da Universidade. Nela foi criado, m 1934 o curso de Matemática. Foi portanto a 1a no Brasil a formar professores de matemática.
O então governador Armando Salles de Oliveira, com o propósito de contratar bons professores estrangeiros para a USP, comissionou o Prof. Theodoro A. Ramos a viajar ao exterior, com total liberdade de escolha, contratar os melhores mestres que estivessem disponíveis para compor o corpo docente da FFCL da USP. Dessa missão se efetivaram as contratações, dentre outros, dos matemáticos: Luigi Fantappié, que chegou em 1934, e Giacomo Albanese, que chegou em 1936, para ministrar o curso monográfico de geometria, que o fez até 1940 e nos dois anos seguintes, ministrou Geo. Analítica, Projetiva e Descritiva, assim como, Complementos de Geometria e Geometria Superior.
A contratação de Fantappié e Albanese não obedeceu apenas a critérios técnicos, tendo também matizes políticos. Assim é indiscutível a importância desses professores para o desenvolvimento da matemática no Brasil, mas não se pode dizer que eles colocaram a matemática brasileira em contacto com a vanguarda desta ciência nos centros mais produtivos. Segundo o Prof. Milton Vargas (que foi aluno de Fantappié por três anos), o mesmo iniciou seus cursos com os seguintes assuntos: Teoria dos Conjuntos, Teoria das Matrizes, Vetores e Funcionais Analíticos. Assuntos que eram novidade para os estudantes brasileiros, mas que eram muito bem conhecidos por estudiosos da Europa e Estados Unidos desde a segunda metade do sec XIX, exceção feita apenas aos Funcionais Analíticos, que era parte da linha de pesquisa de Fantappié.
Foi a partir da década de 1940, com a chegada do matemático francês André Weil, contratado para ensinar Análise Superior (01/09/45 a 30/09/47), e posterior chegada de Jean Dieudonné, contratado para ministrar um curso de especialização em Algebra Moderna (22/04/46 a 31/12/47), é que o chamado grupo de São Paulo foi posto em contacto com as principais correntes de desenvolvimento da Matemática da época. Passou-se, então a estudar os seguintes assuntos: Análise Funcional, Espaços Métricos, Teoria dos Conjuntos (incluindo Topologia Geral), Álgebra Comutativa, Teoria de Galois e Topologia Algébrica. É a partir desta década que se inicia na USP os doutorados em matemática.
5. Uma caracterização do meio Intelectual do Brasil, do final do sec XIX ao ano 1920
Elite Intelectual: homens e mulheres letrados, cultos,pertencentes aos segmentos da sociedade que exerciam influência cultural perante a população alfabetizada do pais.
No inicio do Brasil colônia, houve uma civilização transplantada da Europa. Nda havia em nosso país que fosse de interesse do descobridor/colonizador.
Até o sec. XVIII, a sociedade aqui constituída formava-se basicamente de dois segmentos: de um lado, os proprietários de grandes extensões de terras, e do outro seus escravos e/ou servos. O comércio e a mineração eram privilégios de poucos. Alguns mineradores eram também fazendeiros. Com o fim da febre da mineração, muitos dos que se dedicavam exclusivamente àquele trabalho passaram à atividade comercial, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. E no início do sec XIX, juntamente com os ingleses, dominavam a atividade comercial naquela cidade.
Na segunda metade do sec. XVIII, começou a emergir no Brasil um segmento social intermediário aos acima citados, a saber, a pequena burguesia precoce. Em seus primeiros anos, era composta por comerciantes e proprietários de mineração, ou ex-proprietários de mineração, os quais, passaram a residir nas grandes cidades principalmente no Rio de Janeiro.
Até 1808 data da transmigração da família real para o Brasil, não havia escolas superiores em nossa pátria. Dessa forma, a elite dominante e pequena parte da burguesia urbana, enviavam seus filhos para estudar na metrópole, mais precisamente na universidade de Coimbra ( foram cerca de 2500 jovens estudar em Coimbra entre 1550 e1808. Poucos estudaram em outros países).
Os brasileiros que estudaram em Coimbra receberam uma educação profissional tipo bacharelesca e até desinteressada da realidade científica européia. Contudo essa universidade serviu para introduzir na elite intelectual brasileira um sopro do espírito do iluminismo que inundara a Europa Ocidental do sec. XVIII.
A década de 1820, principalmente em seu início oi uma época de efervescência em nossa pátria. O meio intelectual dos grandes centros urbanos passou por inquietações. Observando o desenvolvimento social, político e científico que se processava na Europa e nos EUA, grande parte da elite intelectual brasileira juntou-se à parte da elite dominante que ansiava por mudanças e reformas, como: abolição da escravidão, implantação da República, reformas políticas e educacionais. Dentre suas reivindicações destacam-se:
- atualização da sociedade brasileira com a européia;
- modernização das estruturas brasileiras;
- integração internacional;
- elevação do nível intelectual/cultural do povo brasileiro;
- total reforma da estrutura educacional.
Deve-se destacar que, em quase toda a segunda metade do sec. XIX predominou no meio intelectual brasileiro, em especial nas escolas de engenharia do Rio de Janeiro e faculdade de medicina da Bahia e Rio de Janeiro, o positivismo de A.Conte.
Em parte, a grande maioria da elite intelectual brasileira foi responsável, direta ou indiretamente, por algum dos fatos que redirecionaram a política, economia e atuação social. Homens como: Tobias Barreto, Clóvis Beviláqua, Silvio Romero, Capistrano de Abreu, Graça Aranha, Euclídes da Cunha, Olavo Bilac, dentre outros, exerceram considerável influência a esse respeito.
É bastante esclarecedor o que diz Tobias Barreto, In: A Questão do Poder Moderador e outros Ensaios brasileiros:
“Quando digo que no Brasil as coisas políticas têm uma preponderância absoluta, não quero com isso afirmar que as idéias respectivas, estejam bem adiantadas. Assim deveria ser e tinha-se o direito de esperar. Más da-se o contrário. Os nossos grandes homens vivem de todo alheios ao progresso das ciências(...) O mundo científico viaja de dia em dia com incrível rapidez, para as alturas desconhecidas. Aqui não se sabe disso. O clarão do século ainda não penetrou na consciência brasileira”.
Ainda a respeito da apatia, nosso pais, pelo espírito e desenvolvimento científicos que se processava na Europa e EUA do sec. XIX, vejamos a opinião de F. de Azevedo, In: As Ciências no Brasil, vol 1, p.12:
“Foi tão pequena e, salvo exceções, tão mesquinha, em tão largo periodo, à participação do país na corrente do pensamento científico que se teve, em certa época, por sinal de inferioridade, o atraso nacional no campo das ciências físicas e experimentais e, de modo geral, nas ciências e, se não chegou a passar em julgado a inaptidão do brasileiro para os estudos científicos, certamente se manteve por muito tempo uma atitude de ceptismo em face de perspectivas de progresso nesse vasto setor do universo cultural”.
Outros intelectuais, denunciaram, com certa freqüência, a não existência de uma nação brasileira, a fragilidade do Estado do Brasil, uma possível perda de sua autonomia como nação, bem como uma possível perda de seu território para nações expansionistas.
Ironicamente, a abolição da escravidão e a proclamação da República no ano seguinte, fatos que traziam esperanças para a solução de vários problemas, significaram a desagregação dos intelectuais envolvidos naqueles processos. Chegou a República, os problemas continuaram e, até certo ponto, se agravaram. Não foram raras as disputas, entre políticos e a elite dominante, por cargos rendosos, deixando os intelectuais para segundo plano, inclusive nos cargos da administração direta.
E, dessa forma, grassou, nos primeiros anos da República, a luta política pelo poder. Multiplicaram-se a inocuidade política, o vazio ideológico, a corrupção, bem como a incompetência técnico/administrativa . E, desse modo, o ambiente intelectual brasileiro da época sofreu influências danosas.
Por apresentar idéias no sentido de ver revertido o deplorável quadro sócio/econômico/educacional do pais, Rui Barbosa passou a ser um aglutinador de grande parte da elite intelectual brasileira no final do sec. XIX. Como se sabe uma de suas preocupações foi a questão do ensino. Na década de 1890, a estrutura escolar brasileira era caótica e deficiente. O analfabetismo estava na casa dos 83%.
Na virada do século, em virtude dos avanços tecnológicos, sobretudo em impressão e edição de jornais e revistas, que baratearam esses produtos, surgiu um novo jornalismo brasileiro, que marcou profundamente o ambiente intelectual brasileiro.
Dessa forma, esse novo jornalismo passou a ser avidamente disputado pela nova burguesia urbana sequiosa de juízo e orientação por parte dos intelectuais, que com freqüência publicavam seus artigos na imprensa, sobre os mais variados temas, como: política, religião, economia, e ciência. Nesta área destacam-se Manoel Amoroso Costa, que publicou vários artigos expositivos sobre Matemática, Física, Filosofia, Lógica, etc.
A imprensa passa a ser o veículo, através do qual a elite intelectual passou a apresentar modelos ou conjunto de possíveis soluções para os angustiantes problemas brasileiros, as quais jamais foram aceitas pelas autoridades competentes e pelas elites dominantes.
Na cidade do Rio de Janeiro, as transformações sociais, culturais, literárias e científicas, não cessaram, impondo uma regeneração coletiva no que se referia ao público literário, ao pensamento, ao gosto e à ação. Esse movimento resultou numa crise intelectual e moral, evidenciada pela decadência cultural. Era o “vazio de ideais”, o “fim da tradição”. Criticava-se a tecnologia e a ciência, a mecanização e a metodização da vida atual, que segundo cronistas da época haviam destruído os ideais do amor, da arte, bem como do sentimento.
Em função desses fatos a organização sócio/familiar bem como o ambiente intelectual da região passou a experimentar profundas mudanças. Como por exemplo: os noivados passaram a ser mais curtos; os salões da sociedade recreativa foram sendo substituídos pelas ruas da cidade; o cavalheirismo começa a sucumbir frente ao feminismo e o surgimento da mulher intelectual, com lugar no mercado de trabalho, entre outras. Isto produziu também uma mudança de foco de valores interiores para exteriores, como roupas elegante se carros, como também a preocupação com a configuração urbana, onde os velhos e sombrios casarões foram substituídos pelo novo.
Na década de 1910, se observa uma forte aglutinação de intelectuais em torno de idéias comuns, motivados principalmente pelas dificuldades ocasionadas com I grande guerra. Salutares mudanças surgiram neste contexto. Por exemplo, passou-se a questionar o que representaria um trabalho literário, um trabalho científico, ou artístico.
Particularmente nas ciências, passou-se a questionar o que seria um bom trabalho científico, quem deveria ser o cientista, o que seria uma universidade. Como resultado dessa atmosfera, em 1916 é fundada a Sociedade Brasileira de Ciências. Nas raízes dessa sociedade encontramos Manoel Amoroso Costa, o mais destacado dos discípulos do combativo professor Otto de Alencar, e seus ex-alunos, Theodoro Ramos, Lélio Gama e Felipe dos Santos Reis.
Sobre a participação da elite intelectual no que dizia respeito a mudanças de valores da pesquisa e produção intelectual (científica) nas duas primeiras décadas do século XX, vejamos o que nos informa um dos homens de ciência da época, Miguel Ozório de Almeida:
“Entre nós sempre se confundiu ensino superior com ensino técnico e profissional. Ora, na Escola Politécnica formamos engenheiros, nas Faculdades de Medicina fazem-se médicos(...). O ensino em cada uma dessas escolas destina-se a preparar para uma profissão ou para um oficio, e por mais interessante que sejam, essas profissões e esses ofícios não constituem meio de chegar à alta cultura. As ciências fundamentais, aquelas justamente que poderiam concorrer para a grande cultura do espírito, são, e não poderiam deixar de o ser, muito resumidamente e muito elementarmente estudadas nessas escolas. A escola Politécnica não pode formar matemáticos. A Matemática que aí se estuda tem por objetivo certas aplicações práticas de modo simples e reduzidos”.
Mais adiante Miguel O. de Almeida assim se expressa:
“Precisamos o quanto antes em nosso país, fornecer meios de estudo superior aos que por suas tendências, sua inteligência, e capacidade desejam atingir a um alto grau de cultura. Esses meios de estudo não devem ser unicamente reduzidos às ciências positivas. As letras, a filosofia, a filologia, a história, enfim, todas as grandes criações do pensamento tem iguais direitos e merecem um desenvolvimento paralelo. É indispensável criar não somente faculdades ou escolas superiores de ciências, como também faculdades ou escolas superiores de letras. Assim, de um lado será formado um meio razoavel de pessoas familiarizadas com o espírito científico, de outro um grupo possuindo esse espírito moderno, que indaga e medita sobre as grandes questões humanas”.
No caso específico do ensino e desenvolvimento da matemática superior, temos reações as mais diversas de homens como Theodoro Ramos e Lélio Gama. Por exemplo, T. Ramos expressou sua reação contrária ao arcadismo no ensino daquela ciência, não em discursos, mas na forma e conteúdo de seus trabalhos. Ele introduz novos conceitos, novas teorias e novas técnicas matemáticas até então não oficialmente ensinadas nas escolas de engenharia do Rio e São Paulo. Tópicos como: teoria dos conjuntos, medidas de um conjunto, integral de Riemann, integral de Lebesgue, etc.
Outro exemplo é Lélio Gama, que expressa sua reação esforçando-se para adaptar as novas teorias e técnicas matemáticas da época, aos valores do meio intelectual brasileiro.
Por trás da vontade de mudança e direcionamento no ensino de ciências básicas, da vontade de se postular a diferenciação da atividade de pesquisa, de se modificar a postura da sociedade em relação à ciência, poderíamos observar que havia também o desejo por parte das elites dominantes, por exemplo, a burguesia paulista (cafeeira e industrial), que fossem feitas algumas mudanças, principalmente no sentido social, político e técnico. Não perdendo, naturalmente, de vista essa burguesia, o controle, as rédeas do poder, do comando decisório.
Junto com o arcadismo reinante, observa-se que as atividades econômicas desenvolvidas no país de meados do século XIX ao início do século XX, como o ciclo da cana de açúcar, o ciclo do café (trazendo junto as ferrovias, mas com tecnologia importada) e o início da atividade industrial em São Paulo, não cobraram das ciências básicas nenhum resultado, exceção feita a cafeicultura que provocou o desenvolvimento de pesquisa na área de defensivos agrícolas. Esta pode ser uma das razões do pouco incentivo dado a pesquisa científica em nosso país.
Surge na década de 1920, uma importante reação de boa parte da intelectualidade brasileira, se bem que na forma de manifestação cultural, que foi o movimento conhecido como Modernismo, em 1922. Sendo este o mais importante movimento para a independência cultural do Brasil. Nas palavras de Mario de Andrade: “Manifestado especialmente pela arte, mas manchando também com violência os costumes sociais e políticos, o movimento modernista foi o pronunciador, o preparador e por muitas partes, o criador de um estado de espírito nacional”.